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Lady Gaga e a atitude maníaca atual de conceituar

9 nov

A garrafinha no chão do pavilhão da trigézima Bienal de São Paulo, foi, na minha opinião, um dos acontecimento mais contestadores do ano da estética contemporânea que envolvem os salões e artes, os desfiles de moda e diria até os requintes gastronômicos que causam frenezi em muitas pessoas que, na maioria das vezes, não sabem nem o que estão comendo. Não estou condenando nenhuma dessas experiências sensoriais, estou apenas questionando o fato de muita gente insistir em tirar leite de pedra. Confabular significações e significados, sobre determinada obra. Discutir intenções revolucionárias por trás de um vídeo clipe ou antropologia no teatro gastronômico de determinado chef.

Pode existir, mas não é o tempo todo assim e nem precisa. As pessoas precisam relaxar mais um pouco. Como escreveu Magritte em seu quadro onde retrata um cachimbo: Isto não é um cachimbo, fazendo uma brincadeira com aquilo que a gente olha e aquilo o que a gente enxerga. E a garrafinha era apenas uma garrafinha. Para quem não ficou sabendo o episódio foi rápido, não tão dolorido, mas deu seu aviso. Que nem picada de agulha! Alguém, não sei se de propósito ou não, deixou uma garrafinha dessas de plástico com um resto de água encostada numa das paredes do prédio da Bienal, a pessoa pode não ter encontrado um depósito de lixo ou quis brincar com a reação das pessoas.

Parece que deu certo. Algumas se prostraram diante dela, admiraram, passaram dirreto, outras cerravam os olhos e colocavam a mão do queixo e com certeza, devem ter teorizado muito sobre aquele objeto ali solitário. Sobre o fato dela está somente ¼ completa, aquilo poderia significar, sei lá, o vazio social. Sabe? Coisas desse tipo que as pessoas pensam e falam. Eu li sobre a garrafinha num artigo da Folha de São Paulo, segue o link para não dizerem que estou inventando: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/66454-conceito-da-bienal-passa-despercebido.shtml

Esses questionamentos já são antigos. Duchamp levou um vaso sanitário largou lá no júri de uma exposição assinado com um outro nome e eles quebraram a cabeça até arrumarem um conceito sensacional para a “obra”. Nelson Leiner pegou um porco intalou o bixo dentro de uma caixa de madeira e fez a mesma coisa, o povo fervendo os miolos corpudos de anos de academia para entender o que é arte e o que ela quer nos dizer. Gosto da arte quando ela nos toca e quando ela nos faz pensar, mas tem muita obra que transborda o exagero ou talvez essas sirvam apenas como conseqüência de escape criativo do próprio artista e signifique ou toque apenas ele.

Não seria inteiramente fora de ordem pensar isso. Se a arte algumas vezes reflete a cultura onde ela se cria, um artista que cria uma obra para ele e que só comova a ele é a cara de nossa sociedade. Hoje mais do que nunca funcionamos pouco em comunidade, os sujeitos nascem e morrem para si, trabalham e vivem para si. Uma sociedade em grande parte individualista, egoísta e egocêntrica. Porque deveria ser diferente no meio das artes?

Aí eu me pego pensando. O que vale mesmo é o “teatro”, o grande espetáculo por trás de uma obra e seu artista, por trás de um cantor ou por trás daquele chef que faz um cuscuz com picolé inventado por ele parecer a oitava maravilha do mundo.

Em fim, eu comecei esse texto com o intuito de falar da Lady Gaga. Ela vai fazer show esse fim de semana em São Paulo e os jornais deram um lugar específico para ela. Não foi a toa que saí vomitando sobre essa tendência conceitualista, pra mim ela representa muito tudo isso. É tanta exuberância, tanta fantasia, tanta performance, como se vestir de carne, que chega a ser perverso. O vicio de mascarar/teatralizar não serve aqui no sentido carnavalesco de esconder a cara ou encarar um personagem, mas serve para esconder o fato de que não existe nada de sólido ali dentro.

E li hoje um monte de textos de pessoas querendo conceitualizar a estética “gagaística”, falam de liberdade, feminismo, papeis de gênero, psicanálise e por ai vai. Olha, nada contra as pessoas pensarem, criar teorias ou questionar. Não é isso, de jeito nenhum. Mas as vezes uma comida é apenas uma comida, uma roupa apenas uma roupa, e uma cantora apenas uma mulher querendo fazer sucesso. E pra mim Lady Gaga está para contestadora do pós-feminismo liberalista moderno sei que lá, assim como a garrafinha plástica está para as artes contemporâneas.