Ser mãe é uma escolha, um dever, um aspecto natural, uma obrigação ou realização de desejo? Essas questões estão podendo, finalmente, serem levantadas. Fazendo com que muitas mulheres se questionem e outras sintam-se aliviadas. Percebo muito mais mulheres ao meu redor se questionando sobre maternidade, falando do horror a ela, da realização de um sonho ou afirmando sem culpas ou estranhamento: Não quero ter filhos!
Os mais conservadores reclamam do “fim dos tempos” de influência sobre a continuação da espécie etc. Por um lado, isso pode ser um benefício para a sociedade porque ser mãe é muito mais complexo do que parir, amamentar e cuidar. Então o que é ser mãe? Talvez essa resposta não exista de maneira objetiva nem científica e seja muito mais pessoal do que se imagina.
A palavra mãe carrega consigo, há muito tempo, o arquétipo daquela que acolhe e alimenta. Porém, a condição materna mudou bastante ao longo dos anos. Ser mãe significou coisas diferentes em épocas e culturas distintas. Levando a mulher a ocupar diferentes patamares nas sociedades. Para quem tiver mais interesse, Silvia Alexim Nunes faz um ótimo passeio pelo tema em seu livro “O corpo do diabo entre a cruz e a caldeirinha: um estudo sobre a mulher, o masoquismo e a feminilidade”.
Uma hipótese de que mulheres ocuparam um status privilegiado é a Mulher de Willendorf, uma estatueta datada de 22.000 a.C. Suas curvas femininas e os fartos seios tem uma relação forte com o conceito de fertilidade. O fato dessa tribo primitiva esculpir essa figura demonstra a adoração e o respeito pela mulher. Alguns historiadores defendem a tese de que, antes de terem o conhecimento da participação do homem na procriação as mulheres tinham um papel privilegiado, eram as chamadas sociedades matriarcais.
Nos séculos passados, nas sociedades ocidentais que já manejavam observações científicas, as mulheres/mães tinham um papel prioritariamente biológico. Eram responsáveis naturais pela procriação da espécie, tinham uma função mais biológica do que afetiva. As crianças ficavam a cargo das amas de leite. Pouca também era a importância que se dava a infância, as crianças eram pequenos futuros adultos sem necessidades de cuidados “especiais”. Uma coisa curiosa que nos ajuda a observar isso era a maneira como elas se vestiam, as roupas eram miniaturas das roupas dos pais.
O que fez com que a medicina passasse a se preocupar com os bebês foi a alta taxa de mortalidade infantil. A falta de higiene e cuidados específicos levavam muitas crianças com pouca estrutura de defesa a morrer, algumas vezes, de doenças banais. O início do século XX foi o grande boom! Dos manuais da primeira infância, cuidados maternos e valorização da amamentação pela própria mãe.
Elizabeth Badinter defende que essa perspectiva, junto a influência poderosa da medicina e de uma sociedade patriarcal constituiu o mito do amor materno. O amor incondicional de mãe com os filhos, da forma como conhecemos, é uma aquisição cultural bastante recente e teve conseqüências significativas sobre as mulheres e as famílias que iriam refletir nas leis sociais e no emocional.
O motivo para que muitas delas questionassem sua feminilidade, normalidade psíquica ou corporal caso não desejassem ter filhos ou não pudessem tê-los. Em um artigo escrevi sobre a influência cultural e social dos meios de comunicação sobre a identidade de gênero e sobre como esse contexto foi responsável pelo sentimento de culpa vivenciado por muitas mulheres, fosse pelo fato de não conseguir amar seus filhos ou pela simples vontade de não desejar ser mãe.
Hoje é diferente, as mulheres conquistaram novos espaços e podem fazer novas e diferentes escolhas. Nos primeiros ensaios de psicanálise Freud, como homem de seu tempo, defendia a maternidade como consolidação da feminilidade “ideal” , o que faz com que ele seja alvo de muitas criticas. Porém, o que pouca gente sabe é que a psicanálise não adormeceu, ela continua acompanhando as mudanças culturais de cada sociedade e se atualizando.
Atualmente sabemos que o fato de ser ou não ser mãe, não faz uma mulher mais mulher do que outra. Durantes os anos a psicanálise passou a investigar mais profundamente o feminino e as relações mãe e filhos. Bastante ciente da complexidade que envolve essa dupla, respeita essa relação em todas as suas multiplicidades.
A escolha pela maternidade deve ser livre e respeitar o desejo de cada um, assim como o desejo da paternidade. Porque, por mais que ajudem em algum momento, não existem manuais de instrução de como ser mãe e como cuidar de um filho e principalmente, como ama-lo. Amor não é dado e muito menos garantido de ante mão. Desejar e tornar-se mãe é um valor subjetivo que depende inclusive de como foi ser filho.
Tanto a falta de investimento materno como o investimento excessivo podem ter conseqüências no desenvolvimento da criança, de acordo com Winicott a mãe teria que ser suficientemente boa e, no entanto, não existe receita para isso porque depende e muito da psiquê de cada um. Por esse motivo, o momento “questionável” em torno da maternidade que estamos vivendo hoje seja positivo. O mais importante é que as mulheres façam suas escolhas conscientes seja ela ser mãe ou não.
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