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Entrevista Joyce Macdougall

21 nov

Psicanalista neozelandesa radicada França, Joyce Mcdougall tem seis livros publicados e traduzidos para diversos idiomas. Ligada ao teatro desde criança por causa de
seu avô, que organizava tradicionais peças no final de ano, se manteve ligada a ele durante a universidade e trouxe essa herança para seus textos e pensamentos sobre a psicanálise. Atualmente tenho lido Teatros do Corpo e não passa despercebida as metáforas teatrais que ela usa como forma de visualizar cenas sutis do processo psicanalítico e do funcionamento psíquico de seus pacientes.

A sua perspectiva da situação analítica é extremamente humana. Ela não leva em conta o analista como um “ser de saber” que está alí para ajudar o paciente a se haver com seus conflitos. Mas enxerga a análise como uma relação a dois, bastante complexa que envolve tanto a mente do analisando como a do próprio analista, as expectativas, anseios e desejos de ambos. O reconhecimento de sua contribuição para desvendar os mistérios do universo psíquico a levou a India, convidada por Dalai Lama. Interessado em entender as contribuições de Freud no pensamento ocidental ela deu algumas palestras por lá.

segue um link de uma entrevista sua no ano 2000 sobre o que ela pensa sobre o adoecer e a vontade de entrar em um processo analítico na atualidade:

Entrevista Joyce Mcdougall, 2000.

O outro além do óbvio

11 out

O que você diria de uma pessoa sólida que não muda e sempre tem a mesma impressão? No mínimo pensaríamos em um cabeça dura retrógrado. Uma pessoa que vai contra a natureza humana essencialmente maleável, adaptável e mutante. Pelo menos é isso que se espera. Nós temos essa mania antiga de definir e limitar pessoas muito difundida na cultura ocidental, os estereótipos.

A definição no início do texto faz parte da etimologia da palavra. Do grego stereos e typos, juntando tudo ficaria algo como impressão sólida. Era inicialmente usada para nomear as placas de impressões. E posteriormente passou a definir em nossa sociedade grupos de pessoas na tentativa de dar características comuns de forma preconcebida. Comportamento que levou a muitos tipos de preconceitos e discriminação. Ou seja, sólido é aquele que não distingue diferenças e acaba entrando na catalogação de vidas.

E as nossas está cheia deles. Os ternos e gravatas que inclusive passeiam pelo nosso clima tropical é indispensável para passar confiança, status, autoridade. Ele é usado para impor respeito e, por isso, no calor de 30 graus, torna-se imprescindível. O jaleco! Tem doutor que não tira o jaleco nem na hora de almoçar, isso é anti-higiênico. Mas o cara de jaleco é o cara! Ele vai ser tratado com respeito então porque tira-lo e virar um zé qualquer?

Fernando Braga da Costa, psicólogo e doutor pela USP, sem querer estereotipar mas já “tipando”, fez uma experiência sensacional. Passou alguns dias vestido de gari pelo campus e sentiu-se transformado em um homem invisível. As pessoas se quer olhavam para ele e muito menos o cumprimentavam. Da trajetória lançou o livro: Homens Invisíveis; Relato de uma humilhação social. Diz que as pessoas simplesmente não lhe dão atenção pelo simples fato de estar usando um uniforme.

A sociedade cria os estereótipos ou eles vão sendo impostos através das instituições? A resposta parece bater na tecla do quem nasceu primeiro, o ovo o galinha? De fato não importa, o que vemos é a industria do consumo reforçar os tipos e tentar conduzir as pessoas a se encaixar, a mídia exalta uns e metralha outros e por fim as instituições sociais o utilizam para reforçar regras sociais e enquadrar os cidadãos.

Individualmente o estereótipo pode ser autorealizante. As pessoas que procuram se encaixar em algum tipo, inconscientemente, na hora que se vestem deles terminam incorporando tudo aquilo que determinado estereótipo representa e passam a se familiarizar com a idéia, tipo criança com roupa de super-herói. O estudante de direito que veste o terno e o médico que se recusa a tirar o jaleco para entrar em um restaurante, incorporam a potência e autoridade que a sociedade lhes doa. O gari que usa sua farda e trabalha tão dignamente quanto os outros sente-se humilhado e inferior, mesmo que não seja, mesmo que seja um cidadão mais digno que qualquer outro.

Para não terminar caindo ou nos tornando os próprios personagens de opiniões preconcebidas é muito útil se afastar de julgamentos generalizados. Apurar o senso critico e desenvolver o hábito de não se contentar com o óbvio. Na nossa sociedade tudo é pronto, tudo nos é oferecido de bandeja. Televisão e internet só precisamos digerir. A praticidade e agilidade que nossa sociedade exige aplaca nosso senso de raciocínio e curiosidade. Isso termina ocupando espaço nas relações. Hoje ninguém quer se abrir, se deixar conhecer entre nossas fragilidades e sucessos, somos só sucesso, somos só bacanas.

Também não se busca conhecer o outro além do óbvio. Vivemos em grandes vitrines de objetos usados, virando peças do mesmo! .

Seriado, propaganda e homenagem

6 set

Veremos…achei cópia demais do americano.

E no “dia” do sexo…

Vídeo comemorativo da Sociedade Americana de psicanálise

Ser feminino é ser maternal?

18 maio

Ser mãe é uma escolha, um dever, um aspecto natural, uma obrigação ou realização de desejo? Essas questões estão podendo, finalmente, serem levantadas. Fazendo com que muitas mulheres se questionem e outras sintam-se aliviadas. Percebo muito mais mulheres ao meu redor se questionando sobre maternidade, falando do horror a ela, da realização de um sonho ou afirmando sem culpas ou estranhamento: Não quero ter filhos!

Os mais conservadores reclamam do “fim dos tempos” de influência sobre a continuação da espécie etc. Por um lado, isso pode ser um benefício para a sociedade porque ser mãe é muito mais complexo do que parir, amamentar e cuidar. Então o que é ser mãe? Talvez essa resposta não exista de maneira objetiva nem científica e seja muito mais pessoal do que se imagina.

A palavra mãe carrega consigo, há muito tempo, o arquétipo daquela que acolhe e alimenta. Porém, a condição materna mudou bastante ao longo dos anos. Ser mãe significou coisas diferentes em épocas e culturas distintas. Levando a mulher a ocupar diferentes patamares nas sociedades. Para quem tiver mais interesse, Silvia Alexim Nunes faz um ótimo passeio pelo tema em seu livro “O corpo do diabo entre a cruz e a caldeirinha: um estudo sobre a mulher, o masoquismo e a feminilidade”.

Uma hipótese de que mulheres ocuparam um status privilegiado é a Mulher de Willendorf, uma estatueta datada de 22.000 a.C. Suas curvas femininas e os fartos seios tem uma relação forte com o conceito de fertilidade. O fato dessa tribo primitiva esculpir essa figura demonstra a adoração e o respeito pela mulher. Alguns historiadores defendem a tese de que, antes de terem o conhecimento da participação do homem na procriação as mulheres tinham um papel privilegiado, eram as chamadas sociedades matriarcais.

Nos séculos passados, nas sociedades ocidentais que já manejavam observações científicas, as mulheres/mães tinham um papel prioritariamente biológico. Eram responsáveis naturais pela procriação da espécie, tinham uma função mais biológica do que afetiva. As crianças ficavam a cargo das amas de leite. Pouca também era a importância que se dava a infância, as crianças eram pequenos futuros adultos sem necessidades de cuidados “especiais”. Uma coisa curiosa que nos ajuda a observar isso era a maneira como elas se vestiam, as roupas eram miniaturas das roupas dos pais.

O que fez com que a medicina passasse a se preocupar com os bebês foi a alta taxa de mortalidade infantil. A falta de higiene e cuidados específicos levavam muitas crianças com pouca estrutura de defesa a morrer, algumas vezes, de doenças banais. O início do século XX foi o grande boom! Dos manuais da primeira infância, cuidados maternos e valorização da amamentação pela própria mãe.

Elizabeth Badinter defende que essa perspectiva, junto a influência poderosa da medicina e de uma sociedade patriarcal constituiu o mito do amor materno. O amor incondicional de mãe com os filhos, da forma como conhecemos, é uma aquisição cultural bastante recente e teve conseqüências significativas sobre as mulheres e as famílias que iriam refletir nas leis sociais e no emocional.

O motivo para que muitas delas questionassem sua feminilidade, normalidade psíquica ou corporal caso não desejassem ter filhos ou não pudessem tê-los. Em um artigo escrevi sobre a influência cultural e social dos meios de comunicação sobre a identidade de gênero e sobre como esse contexto foi responsável pelo sentimento de culpa vivenciado por muitas mulheres, fosse pelo fato de não conseguir amar seus filhos ou pela simples vontade de não desejar ser mãe.

Hoje é diferente, as mulheres conquistaram novos espaços e podem fazer novas e diferentes escolhas. Nos primeiros ensaios de psicanálise Freud, como homem de seu tempo, defendia a maternidade como consolidação da feminilidade “ideal” , o que faz com que ele seja alvo de muitas criticas. Porém, o que pouca gente sabe é que a psicanálise não adormeceu, ela continua acompanhando as mudanças culturais de cada sociedade e se atualizando.

Atualmente sabemos que o fato de ser ou não ser mãe, não faz uma mulher mais mulher do que outra. Durantes os anos a psicanálise passou a investigar mais profundamente o feminino e as relações mãe e filhos. Bastante ciente da complexidade que envolve essa dupla, respeita essa relação em todas as suas multiplicidades.

A escolha pela maternidade deve ser livre e respeitar o desejo de cada um, assim como o desejo da paternidade. Porque, por mais que ajudem em algum momento, não existem manuais de instrução de como ser mãe e como cuidar de um filho e principalmente, como ama-lo. Amor não é dado e muito menos garantido de ante mão. Desejar e tornar-se mãe é um valor subjetivo que depende inclusive de como foi ser filho.

Tanto a falta de investimento materno como o investimento excessivo podem ter conseqüências no desenvolvimento da criança, de acordo com Winicott a mãe teria que ser suficientemente boa e, no entanto, não existe receita para isso porque depende e muito da psiquê de cada um. Por esse motivo, o momento “questionável” em torno da maternidade que estamos vivendo hoje seja positivo. O mais importante é que as mulheres façam suas escolhas conscientes seja ela ser mãe ou não.

No Hay Banda

27 abr

David Lynch é um otimista perseverante na expectativa de que, um dia, as pessoas vão gostar de abstrações tanto quanto curtem objetividade. Vão se deixar sonhar e considerar as coisas que não nessessariamente se somam. Fora isso Lynch é um diretor de cinema, escritor e dono de um bar em Paris chamado, Club Silencio. Seus filmes são conhecidos pelo descompromisso com a tradição cinematográfica hollywoodiana.

Quem assistiu Cidades dos Sonhos, Veludo Azul ou acompanhou a serie de TV Twin Peaks e muitos outros, sabe do que estou falando. Se não sabe experimente. Ocorre que o estilo fantasiástico de Lynch leva quem não tem paciência a dizer: Esse cara jogou essas imagens ai e vocês que curtem ficam tentando encontrar uma razão. Sem querer fazer a cult de boteco, até porque muitos deles eu não entendi nem acho que tem que entender alguma coisa, mas acho os filmes muito bem pensados, a começar pelos personagens.

Assistir aos filmes são experiências inomeáveis que envolvem sentimentos e afetos que não conseguimos por em palavras, aquilo que não existe significação. Uma estética que também não encontra muito espaço, pois os tratados sobre o assunto preferem preocupar-se com o que é belo, atraente e sublime e não com os sentimentos opostos, aflição e estranheza. A estética dessas filmes abre espaço para o absoluto no sentido de que deixa o expectador decidir o que é belo e o que é repulsa, abre a experiência cinematográfica para a subjetivação.

Essa incapacidade de atribuir significação ou lógica é muito descompensadora para algumas pessoas. O ato de ver um filme, normalmente, propõe a entrega já mastigada das idéias tornando o expectador um receptor passivo. Nada contra degustar esse tipo de entretenimento. No entanto, existem outras possibilidades e, talvez, não estamos culturalmente e psicologicamente abertos a esses outros modelos.

É difícil para nós ocidentais, “detentores” da racionalidade vivenciar uma experiência emocional bruta, aquelas que não tem razão nem explicação, de forma tranqüila. Isso faz com que David Lynch tenha, a grosso modo, duas categorias de expectadores. Aqueles que acham perca de tempo e os que tentam a todo custo decifrá-lo.

Vejo inclusive ensaios psicanalíticos na tentativa de teorizar personagens e roteiros com explicações sobre o inconsciente, sonhos, neuroses e fantasias. São essas inquietações que tornam seus filmes uma experiência subjetiva acionada. As abstrações levam as pessoas a colocarem suas opiniões e seus pensamentos sobre o que viram e não ao contrário.

O que acontece afinal com quem se propõe a olhar os seus filmes? O que neles nos desorganiza a ponto de gerar repúdio, encantamento e levar a tantas tentativas de organizá-los em uma lógica? Podemos pensar no sentimento angustiante que sentimos diante do inexplicável, do estranho.

Joseph Sandler, psicanalista, defende que a mente humana tem dificuldade em conter abstrações imateriais dentro dos limites psíquicos. Parece haver uma tendência universal para substituir a realidade psíquica por realidade material. Antes de conseguir simbolizar conscientemente as emoções até colocarmos em palavras, passaríamos por uma impressão sensorial bruta, esta, por suas vez, seria “digerida” pela mente até que conseguíssemos pensar racionalmente sobre ela.

Todo mundo já deve ter tido uma experiência emocional sozinho, a dois ou em grupo, que é difícil colocar em palavras para terceiros entenderem. Algumas delas geram explicações metafísicas, místicas ou religiosas. São impressões sensoriais sem significação para nosso nível de racionalidade e repertório. Algumas vezes as abstrações nos levam a lidar com esses conteúdos “anímicos” e singulares. O interessante dessa experiência é que cada pessoa constrói uma explicação diferente sobre a mesma coisa.